Cada país tem o seu Elvis Presley. O do Brasil, sem dúvida, é Raul Seixas (1945-1989). O cantor e compositor baiano, aliás, adorava Elvis. Foi seu ídolo de infância, chegando a fundar em Salvador um certo Elvis Rock Club junto com o amigo Waldir Serrão.
Esta ligação e outras estão no documentário "Raul - O Início, o Fim e o Meio", em que o diretor Walter Carvalho ("Cazuza - O Tempo Não Para", "Budapeste") procura dar conta do mito e do homem Raul - um dos ídolos da música nacional que mais tem provocado um culto póstumo em torno de si, seguindo, nisso também, a saga de Elvis.
Baiano como os tropicalistas Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, Seixas mostrou-se mais anárquico e radical do que eles. Misturou rock com baião no primeiro grande sucesso, "Let me Sing, Let me Sing", que estourou no Festival Internacional da Canção em 1972, traduzindo nessa canção uma outra influência, de Luiz Gonzaga.
Guiado por intuição e rigor, Walter Carvalho reconstitui a trajetória explosiva de Raul, que encontra no escritor Paulo Coelho um parceiro de drogas, satanismo e sucessos como "Há Dez Mil Anos Atrás" e "Sociedade Alternativa" - esta última, valendo aos dois problemas com a ditadura militar da época, que enxergou nela uma mensagem política e, por isso, os prendeu, torturou e mandou ao exílio nos Estados Unidos.
Pouco depois, o sucesso de seu disco "Gita" - que vendeu 600 mil cópias - traz Raul e Paulo Coelho de volta ao Brasil. Hoje um bem-sucedido autor internacional de romances de tempero místico, Coelho tem uma das mais saborosas participações no documentário, numa entrevista em que, em sua suntuosa casa, na Suíça, uma mosca faz uma surpreendente aparição, permitindo lembrar outra famosa música de Raul, "A Mosca na Sopa".
Com segurança, Carvalho costura depoimentos do irmão, de quatro das cinco ex-companheiras do cantor (a primeira, Edith, só participa por meio de uma carta, lida pela filha dos dois, Simone), de suas três filhas e de um neto, além de outros parceiros, como Cláudio Roberto, fãs e admiradores como Caetano Veloso, Tom Zé e Marcelo Nova.
Assim, constrói um panorama de uma vida curta, intensa e tumultuada, pontuada por alcoolismo, drogas, conflitos, mas não perde de vista a energia criativa do cantor e compositor, autor de hinos da contracultura, como "Metamorfose Ambulante".
Um grande tesouro do filme está no material de arquivo, proveniente de particulares, parentes, amigos, emissoras de tevê, contando inclusive com algumas imagens inéditas - o que consumiu cerca de 25% do orçamento total do filme (R$ 2,4 milhões), usados para pagamento de direitos.
Valeu a pena. Nada mais eloquente sobre Raul do que ele mesmo. E trechos de filmes, como "Balada Sangrenta" (1958), de Michael Curtiz, que mostra o jovem Elvis Presley no auge, e "Sem Destino" (1969), de Dennis Hopper, fecham a moldura da época que o cantor viveu tão intensamente.
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